Aviões de Papel

| 4 MINUTOS

Compartilhar

Acredito que nem todos se recordem, mas há uns anos passou na televisão um anúncio publicitário em que os serviços da marca eram de tão elevada qualidade que o Contact Center não tinha qualquer chamada de cliente e onde os seus colaboradores ocupavam o tempo em vários tipos de brincadeiras como, por exemplo, a brincar com aviões de papel.

Embora o anúncio tivesse obviamente um sentido figurado (com o objetivo de exponenciar a qualidade dos serviços), a verdade é que ficou marcado na minha memória, em grande parte pelo facto de ter coincidido com uma fase da minha carreira em que estava a desenvolver o Contact Center da Worten e na qual ocorreu um forte crescimento do volume de contactos por parte dos clientes, o que me levava a refletir sobre se este incremento de contactos era apenas o resultado normal do crescimento do volume de negócios ou se, eventualmente, não estaríamos a garantir serviços de excelência aos nossos clientes.

O facto de os clientes terem a necessidade de entrar em contacto com as marcas não será um sinal de que estas não estão a fazer tudo que lhes compete para antecipar e resolver, de modo proativo, as necessidades dos clientes?

É óbvio que existiram várias causas e, verdade seja dita, a principal estava relacionada com a forte expansão da Worten. No entanto, esta ideia do Contact Center “sem contactos” nunca saiu completamente da minha cabeça, não no sentido de estar convencido de que tal seria possível, mas sim porque nos leva a questionar os motivos pelos quais estamos a “obrigar” os clientes a terem que entrar em contacto connosco. Assim, coloca-se a seguinte pergunta:

  • O facto de os clientes terem a necessidade de entrar em contacto com as marcas não será um sinal de que estas não estão a fazer tudo que lhes compete para antecipar e resolver, de modo proativo, as necessidades dos clientes?

A resposta a esta pergunta tem sido, ao longo dos tempos, objeto de muita discussão e de diversas conclusões: há quem defenda que o ideal seria alcançarmos exatamente o cenário retratado no anúncio (seria um sinal de total excelência dos serviços prestados), assim como existe quem defenda que também não seria positivo perder de modo tão significativo as interações com os clientes, já que todos os contactos são também uma oportunidade de surpreender e fidelizá-los.

Conceptualmente, podemos afirmar que o maior desafio passa por encontrar soluções que reduzam a necessidade de contacto por parte dos clientes (principalmente para temas de menor complexidade), seja através da existência de processos que se antecipem às ocorrências (gestão proativa dos problemas) ou através da disponibilização de soluções que permitam aos clientes a obtenção de qualquer tipo de informação da forma mais simples e imediata possível (como são exemplo soluções de track and trace e bots).

Este é, sem dúvida, um enorme desafio,para qual temos que encontrar as melhores soluções. O tempo é um bem cada vez mais escasso, o que origina que todos nós, de um modo geral, valorizemos todas as soluções que permitam a satisfação das nossas necessidades, no menor período de tempo e ao menor custo possível, o que se tem traduzido nos últimos anos em níveis de exigência bastante superiores por parte dos clientes e é exatamente neste ponto que a tecnologia deve ter um papel fundamental!

A verdade é que esta necessidade está cada vez mais enraizada e prova disso é o facto de nos últimos anos termos assistido, no nosso setor, à evolução das soluções de inteligência artificial (IA). Ainda no final do ano passado foram divulgados os resultados do estudo ‘AI-Infused Contact Centers Optimize Customer Experience’ por parte da Forrester Consulting, que referia que 64% dos líderes de Contact Centers previam investir em soluções de IA em 2020.

Não tenho qualquer dúvida que este tipo de soluções irá transformar a realidade atual dos Contact Center:

  • Permite retirar as tarefas mais repetitivas e com pouco valor (tanto para os clientes como para as empresas),
  • Processos de automatização que permitam fornecer aos clientes as respostas e resoluções para as suas necessidades,
  • Soluções de automatic categorization, permitindo um melhor roteamento dos temas,
  • Algoritmos que disponibilizem propostas de resposta aos operadores,
  • Possibilita um processamento e análise de dados de modo massivo e imediato,
  • Possibilidade de antecipar sentimentos e tendências.

Quando se pensa em processos de automatização, é usual que a primeira ideia que ocorra seja a da otimização da operação e, por consequência, na redução de custos, mas para que tal seja uma realidade é crucial que as soluções implementadas proporcionem a melhor experiência possível aos clientes, caso contrário vamos ter o “pior dos dois mundos”: Clientes insatisfeitos + Custos acrescidos.

Mas, perante esta tendência de substituição do trabalho do ser humano pelos robôs, qual o futuro dos nossos operadores de Contact Center?

Em resumo, as soluções de IA devem acima de tudo responder a duas necessidades distintas:

  • Otimização da operação de Contact Center (redução de tarefas, redução de tempos de execução e maior flexibilidade na análise de dados)
  • Melhoria da experiência do cliente (ferramentas de self-service/track and trace e disponibilização de soluções personalizadas).

Mas, perante esta tendência de substituição do trabalho do ser humano pelos robôs, qual o futuro dos nossos operadores de Contact Center?

Sabendo que é de certa forma utópico esperar que as soluções de IA venham conseguir responder a 100% às necessidades dos clientes, é minha plena convicção que a automatização vai na verdade valorizar a função do colaborador já que deixam de ter que assegurar tarefas repetitivas e rotineiras (e que em nada contribuem para a sua motivação) e vão passar a focar-se em tarefas de maior valor e que permitem um melhor e maior reconhecimento profissional.

Por outro lado, as soluções de IA, além de não conseguirem obviamente dar um “toque humano” nas interações com os clientes, ainda apresentam algumas limitações na capacidade de resolução de temas de maior complexidade, pelo que o papel do operador de Contact Center incidirá cada vez mais nas vertentes da empatia e envolvimento para marcar a diferença: no fundo, irá assumir figura de Gestor de Cliente!

Obviamente que vai em alguns casos obrigar à requalificação das pessoas e funções, mas não deixa de ser uma excelente oportunidade de valorização dos nossos colaboradores, tornando-os muito mais preparados para os desafios do futuro.

Para finalizar e retomando o anúncio publicitário que referi logo no início do artigo, não acredito que venhamos a ter (pelo menos nos tempos mais próximos) um Contact Center “sem contactos”, no entanto devemos continuar a trabalhar arduamente na identificação e implementação de soluções que contribuam para o sentido figurado do dito anúncio e deste modo em vez dos aviões de papel (com que os colaboradores brincavam) vamos ter autênticas “aeronaves” que nos vão transportar para uma nova dimensão de Customer Experience!